26 novembro, 2006

Orçamento Participativo

A democratização do Poder Executivo do Município de Maringá[1]
Artigo apresentado na XXII SEMANA DO ADMINISTRADOR/UEM –XXII SEMAD – “O administrador na era do conhecimento”.
09 a 13 de setembro de 2002 – (ISSN 1518-5354). Texto semi-revisado para esta publicação.

Elias Canuto Brandão
Historiador, mestre em Educação e doutor em Sociologia

Márcia Regina Ferreira
Administradora, mestre em Administração e professora na Universidade Federal do Paraná-Matinhos


Resumo
Este artigo propõe uma discussão sobre a democratização do poder local através da participação popular. O Orçamento Participativo tem sido motivo de vários estudos nos últimos 40 anos e, no entanto, somente na última década é que se tornou motivo de pesquisas mais especificas que buscam relatar as experiências desta nova forma de gestão pública. Historicamente a política brasileira registra relacionamento com a comunidade de forma autoritária ou a clientelista. O orçamento participativo busca uma nova relação entre o poder público local (executivo e o legislativo) e comunidade, realizando um processo de democratização da ação política, através de plenárias, reuniões, conferências, cursos de capacitação, assembléias, enfim, práticas que serão relatadas e discutidas com base na experiência do Município de Maringá.


Introdução

A consolidação da democracia moderna é, sem sombra de dúvida, um dos grandes acontecimentos do século XX, pois este regime considera a vontade do cidadão. No entanto, vivemos um período onde a promessa da modernidade não foi cumprida, o homem-cidadão como se imaginava não teve sua emancipação, ao contrário, o homem continua tão preso quanto antes da idade da luz. Seus medos hoje são outros: o desemprego, a exclusão o desamparo. O processo de exclusão é radical e se mostra irreversível e esta exclusão é resultado de uma política liberal de desenvolvimento que está predominante no mundo.
Enquanto os Estados praticam esta política liberal, predomina entre as comunidades uma falta de esperança e desespero sobre este poder que parece único. Na Europa há discussões sobre o horror econômico, onde Forrester (1999: 22) questiona a falta de luta, a não ser aquela que reivindica mais espaço para o seu mercado, se não triunfante, pelo menos onipotente, que provavelmente tem sua lógica, mas à qual não se confronta nenhuma outra lógica. E como se todos participassem do mesmo campo, e aceitassem a tudo isso como um estado natural das coisas, como o ponto exato onde a história nos esperaria. Forrester apresenta a crueldade deste cenário dos novos excluídos: “Nenhum apoio subsiste para aqueles que não têm nada, a não ser a perda”.
Este discurso único se embasa radicalmente no consenso econômico liberal, conhecido também como consenso de Washington, que foi elaborado especialmente para América Latina e Caribe. Este consenso exige a aplicação de uma política de diminuição do Estado, ajuste fiscal, fim das restrições do capital estrangeiro, abertura do sistema financeiro, desregulamentações, ou seja, temos de um lado o surgimento da democracia no Brasil, principalmente após a década de 80 e, no entanto, vivemos a partir desta mesma década o crescimento do neoliberalismo por incentivo dos Estados Unidos e Inglaterra.
Assim enfrentamos um grande dilema, que consiste em discutir sobre democracia, participação popular e direito dos cidadãos, em meio ao grande avanço neoliberal. No Brasil nunca existiu o Estado de Bem Estar Social que outros países conheceram devido ao medo do avanço comunista. Na verdade os países da América Latina apenas conheceram governos autoritários e repressores criados pela ditadura do militarismo (décadas de 60,70 e 80) que muitas vezes foram financiados pelos Estados Unidos e Multinacionais.
No entanto, estamos vivendo também em toda parte uma tendência à dissolução dessa ideologia neoliberal. A visão de uma nova realidade mais condizente com a busca do interesse social pode ser encontrada na discussão de Milton Santos, sobre a necessidade de uma outra globalização, que rompa com o pensamento único e crie a consciência universal.
[...] um mundo verdadeiro se definirá a partir da lista completa de possibilidades presentes em certa data e que incluem não só o que já existe sobre a face da Terra, como também o que ainda não existe sobre a face da Terra, mas é empiricamente factível. Tais possibilidades, ainda não realizadas, já estão presentes como tendência ou como promessa de realização. Por isso, situações como a que agora defrontamos parecem definitivas, mas não são verdades eternas. (SANTOS, 2000, p. 160)

Assim, essa realidade do cenário mundial e esta tendência em criar novas alternativas, abrem espaço para a questão social e redefine inteiramente as relações entre estado e sociedade civil.
Na década de 70 começou a avançar o processo de democratização do país, com o surgimento de novos atores sociais e políticos: através da atuação das comunidades eclesiais de base, oposições sindicais, das associações de bairros. Todos articulando e colocando no plano nacional a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais, econômicos e políticos dos setores populares.
Caccia Bava apresenta que essa realidade aponta para a emergência de novos atores e novos modelos de desenvolvimento:
[...] A manifestação de atores plurais na sociedade civil, intervindo nos processos de decisão política nacional e local, faz com que o debate tenha de levar em consideração a diversidade e pluralidade das demandas sociais e urbanas. O empobrecimento crescente e o encolhimento do Estado que nos diz respeito à extensão dos serviços públicos, colocam em destaque o tema do poder local e participação popular porque expressa uma dinâmica que traduz as questões centrais do cenário político nacional. (CACCIA-BAVA, 1994, p. 5)

E para desenhar este novo cenário político nacional emerge o discurso da participação popular, pela falta de legitimidade dos governos que se sucederam, insensíveis à pobreza e à miséria da grande maioria da população.

A participação popular e a descentralização

Certamente, a participação popular trouxe para o cenário público novos atores como uma realidade tangível, feita de fatos-vozes, conflitos, imagens, discussões, sentidos-até então inexistentes. As pessoas começaram a se conscientizar da importância de participar da vida pública e se organizar.
Sobre essa participação, Hannah Arendt (2000) comenta que “a ação jamais é possível no isolamento. Estar isolado é estar privado da capacidade de agir. A ação e discurso necessitam tanto da circuvizinhança de outros quanto à fabricação necessita da natureza”.
A década de 80 nos legou um sentido de participação completamente novo e civilizatório:
O marco legal não nos assegura por si só o gozo dos direitos prescritos constitucionalmente, como foram em 1988; é preciso que os atores o exercitem através das conferencias e dos conselhos setoriais, que foram inscritos nas leis orgânicas de muitos municípios. (SILVEIRA, 2000: p. 90)

Para Demo (2001), a participação só será real, se não for imposta, concedida ou doada. Participação para ele é conquista, assim como foram conquistados alguns espaços na Constituição Brasileira, realizada através de pressões de vários grupos de movimentos populares. A sociedade civil precisa se organizar para criar o processo emancipatório para a construção da cidadania, e o primeiro lugar para iniciá-la é em seu bairro, sua cidade, seu estado, enfim partindo do lugar que você vive e convive com as pessoas.
Para Castro (1999), a real participação deve iniciar desde a base, além de uma descentralização do poder, em uma priorização da cultura local, já que sem significação cultural a descentralização é ineficiente. Em definitivo, a cultura local é a que sustenta o poder local. Apesar da importância dessas ações locais como base para as ações do Estado como um todo, os municípios brasileiros, no entanto, só conseguiram ampliar consideravelmente a sua importância no sistema federativo; assim como também a sua autonomia, com a constituição de 1988, conhecida também como a Constituição cidadã e, como aponta Jovchelovitch apud Castro (1999), “é uma constituição eminentemente municipalista, descentralizadora, concebida para transferir responsabilidades. Pela primeira vez no Brasil, o município é reconhecido como ente de federação”.
Para Martins (1998, p.41) descentralizar a administração pública significa, no atual contexto, transferir recursos e delegar autoridade a governos subnacionais (Estado e Município), que antes faziam parte da competência do governo federal.
Segundo Bertaso (1999, p.10), os direitos fundamentais do cidadão são os sociais e igualitários, que visam organizar a sociedade de forma justa. E nessa perspectiva, a cidadania não representa avanço à maioria da população brasileira, porque somente algumas classes a exercem plenamente: não como conquista ensejada no corpo social, mas como um privilégio disputado pela “competência” de um restrito corpo. Pois, no Brasil, a democracia representativa nunca conseguiu fazer do espaço-público algo público, a privatização da coisa pública sempre foi uma presença marcante em nossa sociedade.
Desta forma, Pinho e Santana (2000, p.4) verificam que existe uma identificação do nível municipal como o detentor do “maior papel no combate à pobreza e à exclusão social” e este tem sido citado também por organismos internacionais.
Porém, isto neste momento não é bom, pois esta auto desresponsabilização dos Estados Nacionais não tem sido acompanhada da necessária transferência de recursos dos níveis nacional e estadual para os municípios, para que estes possam atender suas novas atribuições, o que só faz aumentar a grandiosidade das tarefas dos municípios.
Vale lembrar que no Brasil não houve efetivamente a reforma tributária. O Estado continuou centralizado, como no tempo em que o Brasil era predominantemente constituído por populações rurais dispersas. Dawbor (1999) em suas reflexões questiona como enfrentar os milhões de problemas de pequenos e grandes dramas que surgem em cada cidade, exigindo intervenções flexíveis, rápidas, com uma gestão centralizada tanto de gestão como de recursos? Assim, surge uma situação curiosa, pois as prefeituras estão na linha de frente dos problemas, e no último lugar na cadeia de decisão.
Para tanto, nota-se que os municípios estão pressionados, e precisam inovar e assumir suas novas atribuições no governo local promovendo a participação cidadã através do reconhecimento da sociedade civil organizada como novo ator social, o que leva à institucionalização de mecanismos de democracia direta, tais como Orçamento Participativo (OP), conselhos municipais, fóruns de consulta.
É no Município que se tem visivelmente o problema da escola, saúde, emprego, moradia, é o local em que a relação entre governantes e governados se apresenta de forma mais clara.
No município, pela aproximidade, permite vários tipos de relações entre governantes e governados, mas podem também, como na história do Brasil, reproduzir um padrão de dominação tradicional, permitindo ainda a presença do coronelismo, populismo, clientelismo e o poder Burocrático. (ROBERTINA, 2001, p. 2)

As iniciativas de práticas como o Orçamento Participativo provocam o abandono da visão tradicional assistencialista substituída por políticas mais consistentes de combate à exclusão social e à pobreza, gerando, sobretudo a participação da sociedade e sua confiança no governo local quanto às decisões que envolvem o econômico, o social e o humano.
Assim, parece que não cabem dúvidas quanto ser a participação uma maneira democrática e necessária da sociedade organizar-se politicamente, potencializando o exercício dos direitos da cidadania, buscando sempre a solução negociada dos conflitos, através de espaços públicos, onde o direito de participação é assegurado a todos.

Nova forma de co-gestão e controle social: orçamento participativo

O Orçamento Participativo tem se mostrado cada vez mais crescente em todo país. A população pode interferir na definição de prioridades e no aproveitamento de recursos públicos através de organizações sociais ou individualmente. No ano 2000, mais de 140 prefeituras de todo Brasil trabalharam com o Orçamento Participativo.
Segundo Nunes (1999, p. 130), as experiências do Orçamento Participativo iniciaram na década de 1970 com prefeitos da esquerda de cidades européias, como Bolonha, na Itália, Delf, na Holanda, ou Chambéry, na França, que inovavam convidando os habitantes a participar das decisões urbanas. O Brasil vivia neste período uma ditadura, mas mesmo assim algumas experiências aconteceram, como em Ipiaú/Bahia nos anos 60, Piracicaba/SP na década de 1970 e Lages/SC na década de 1980, conforme cita Alves (1980, p. 19) “conversando com sua gente, esmiuçando os múltiplos projetos que a administração põe em prática, fazendo, com muitos acertos e erros, uma experiência-piloto de democracia participativa e economia ecológica”. Assim surgiu pela primeira vez no Brasil um relato sobre a força do povo, onde o povo “tomou a palavra”.
Dessas experiências, destaca-se para Carvalho & Felgueiras (2000, p. 7) o OP de Porto Alegre-RS (3 gestões) como metodologia de gestão pública de maior repercussão e sucesso, com destaque nacional e internacional, citado no Jornal Le Monde Diplomatique, em agosto de 1998, como a experiência de democracia direta municipal única no mundo (Nunes, 1999).
Esse reconhecimento internacional, segundo Fedozzi (2000), ocorre quando a experiência de Porto Alegre foi selecionada pelas Nações Unidas como uma das quarenta melhores intervenções urbanas merecedoras de apresentação, em 1995, na segunda Conferência Mundial sobre Habitação Humana (Habitat II), realizada em Istambul.
O orçamento em todo mundo é encarado, como algo puramente técnico, um instrumento de gestão econômica, politicamente neutro, quando na verdade, para Souza (2001, p. 4) ele possui um imenso conteúdo político, porque se trata de decidir sobre fins, e não apenas sobre a otimização dos meios, isto é, trata-se de gerir os recursos públicos que serão investidos (ou não) para satisfazer as necessidades da população.
No entanto, a participação da sociedade na gestão pública e o próprio exercício da cidadania vêm sendo invocados, dentro do ideário neoliberal, não como radicalização da democracia e controle social, garantindo as responsabilidades públicas do Estado, mas, como substituição deste seu papel público. Estes mesmos conceitos de cidadania, de participação e parceria entre Estado e sociedade vêm sendo reapresentados com o significado de delegação à sociedade das responsabilidades públicas do Estado (tido como inchado e inoperante), responsabilidades de correção das distorções sociais provocadas pelo mercado e de provimento dos serviços públicos universais. (CARVALHO & FELGUEIRAS, 2000, p . 7)

Estas reflexões se fazem necessárias a respeito desta nova forma de co-gestão e controle social, pois existe uma tendência natural e esperada da política social pública de ser instrumentação do controle social e da desmobilização. Segundo Demo (2001, p. 84) a participação será interessante enquanto legitimar a ordem vigente. Do ponto de vista dos donos do poder, interessa a participação quando consentida e tutelada.
Desta forma, Buarque (1999) argumenta que embora o OP seja o maior avanço de todos na democratização, há nele um problema estrutural, pois apesar de ele romper com o corporativismo dos grupos sindicais, ele mantém um corporativismo da rua, o corporativismo do bairro.É necessário trabalhar nos delegados do orçamento níveis de consciência em relação à realidade das causas dos problemas.
O Orçamento participativo permite trazer a participação, mas não traz a consciência social plena. A cidadania ainda é limitada, porque é administrativa, não é política, e é ainda menos uma cidadania ideológica, pois não vê do que a cidade ou o país necessita a longo prazo. (BUARQUE, 1999, p . 10)

Para que a construção democrática seja de fato uma realidade, uma nova consciência, e que a participação popular seja reconhecida como verdadeira, uma avaliação cuidadosa deve ser sempre realizada para verificar se o Orçamento Participativo contribui de fato como instrumento democrático de gestão municipal, a qual envolva os cidadãos com um modelo de co-gestão, ou como nas palavras de Souza Santos (2001, p. 526):“um modelo de partilha do poder político mediante uma rede de instituições democráticas orientadas para obter decisões por deliberações, por consenso e por compromisso.”
Há cada vez menos pessoas estão dispostas a aceitar as barbaridades que se praticam em nome da liberdade da grande empresa e dos interesses do Estado, ou a acreditar no espantalho comunista que é agitado cada vez que se propõe uma forma de desenvolvimento mais humano. A atenção está se voltando para a busca de instrumentos concretos de controle social, diversificado e flexível, sobre o desenvolvimento caótico que temos vivido. (DOWBOR, 1987, p. 108)

O Orçamento Participativo mostra-se como uma oportunidade ímpar para transportar as contradições de uma sociedade injusta, dando uma garantia de maior proximidade entre as reais necessidades dos habitantes e a ação dos governos da cidade. Espera-se também, que o OP seja capaz de construir uma inversão de prioridades.
A idéia que a esquerda pretende tornar hegemônica através desta proposta de intervenção da sociedade civil, é a de um Estado cujas decisões favoreçam a maioria, de um estado distributivista, em detrimento de um Estado claramente comprometido com os interesses imediatos de empresários, especuladores imobiliários, oligarquias, etc. Por isso, o Orçamento participativo é definido como ferramenta da “desprivatização do público”. (PIRES, 2001, p. 64)

O Orçamento Participativo já é uma realidade e uma alternativa para o controle social e a democratização do poder local, entretanto, ainda minoritário e heterogêneo, cada cidade tem suas características na aplicação do OP, por isso, penetrar, mais a fundo na compreensão desse promissor tipo de experiência em gestão urbana e democratização do poder local, exige o enfrentamento de diversas questões ainda não contempladas ou insuficientemente contempladas.

O Orçamento Participativo em Maringá-PR

Orçamento Participativo do município de Maringá/PR foi uma das propostas de campanha do PT, no ano de 2000, para o Executivo Municipal. Sua implementação se fundamentou no conhecimento das experiências do OP das prefeituras de Blumenau-SC e Porto Alegre-RS. O orçamento participativo nestas cidades é visto como instrumento de cidadania, pois é o principal instrumento na construção de uma relação com a comunidade, podendo revelar muitas peculiaridades da prática administrativa na gestão local e apresentar a democratização deste poder e suas alternativas.
Inicialmente, o município de Maringá foi dividido em 6 regiões e cada região em microrregiões, agrupadas de acordo com a carência, realidade geográfica, sócio-econômica e cultural. Os bairros levantaram e priorizaram as necessidades e elegeram os delegados.
O lançamento oficial do OP em Maringá ocorreu no dia 28 de março de 2001, no Cine Teatro Plaza e, no dia 25 de abril, foi realizada a primeira Assembléia Geral da Primeira Rodada.
No total, em 2001, foram realizadas 15 (quinze) Assembléias Gerais e 6 (seis) Assembléias da Segunda Rodada, todas com a presença do Prefeito José Cláudio e do Vice-Prefeito e Coordenador Geral do OP, João Ivo Caleffi, e se inscreveram 4.721 pessoas. Do total das reuniões e assembléias, participaram mais ou menos 10 mil pessoas.
Do total, foram eleitos 438 delegados nas reuniões do Orçamento Participativo em 2001. Ao mesmo tempo em que o povo fazia reuniões nos bairros, internamente, na prefeitura, as secretarias de governo levantavam as necessidades institucionais para apresentar nas reuniões do Conselho do Orçamento Participativo (COP).
Em 2001, o Governo Popular de Maringá, trabalhou com uma previsão orçamentária de 5 (cinco) milhões de reais e, após dezenas de reuniões, o Conselho do Orçamento Participativo (COP), eleito nas Assembléias Gerais da Segunda Rodada, hierarquizaram as demandas para fazer parte do Orçamento Público, que foi enviado à Câmara de Vereadores e aprovado na íntegra. O COP hierarquizou demandas para três prioridades temáticas:
• Saúde, 50% do orçamento, o equivalente a R$ 2,5 (dois milhões e meio de reais);
• Educação, 30%, o equivalente a R$ 1,5 (um milhão e meio de reais);
• Infra-estrutura, 20%, o equivalente a R$ 1,0 (um milhão de reais).

Como funcionou o Orçamento Participativo

A população foi chamada para co-administrar a cidade com o Governo Popular, através de um processo democrático e consultivo que se realizou em vários momentos, como Assembléias Gerais, Assembléias Intermediárias Autônomas locais e microrregionais, Fórum de Delegados e Conselho do Orçamento Participativo. Momentos como estes estavam previstos na Lei Orgânica do Município de Maringá, nº 30/99, artigo 105, parágrafo único: “Será garantida a participação da comunidade nas etapas de elaboração, definição e acompanhamento da execução plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual”.
As demandas e prioridades foram hierarquizadas pelo COP obedecendo à hierarquia da demanda na Região, carência de infra-estrutura e população a ser atendida.
Todas as demandas hierarquizadas pelo COP, em 2001, foram planejadas para serem executadas em 2002. Antes de serem hierarquizadas, as demandas foram enviadas às secretarias afins para pareceres legal, técnico e financeiro. No Conselho, todos os pareceres foram apreciados.

As assembléias

As Assembléias da Primeira Rodada tiveram como objetivo determinar a quantidade de delegados que seriam eleitos nas reuniões de bairros. Para cada dez pessoas de uma mesma localidade, bairro ou jardim, com mais de dezesseis anos de idade, presentes na Assembléia, tinha o direito de eleger um, ou ser eleito delegado na reunião ou assembléia local. Os delegados eleitos de uma mesma Região elegiam dois conselheiros titulares e dois suplentes na Assembléia Geral da Segunda Rodada.

A participação e a formação

O povo participou das assembléias e reuniões, elegeram os delegados e conselheiros. No segundo semestre, muitos delegados e conselheiros participaram de formação sóciopolítica. Foram realizadas aproximadamente cinqüenta reuniões de estudos em nível de micros e de regiões, sobre funcionamento da sociedade, análise de conjuntura, ética e cidadania.
São importantes as reuniões de formação e capacitação para o despertar da consciência critica de todos os envolvidos na gestão municipal. O governo local é defensor da idéia de que só pela participação efetiva, conhecendo o todo, através de estudos e discussões é possível se praticar a democracia, instigando os cidadãos a serem mais exigentes e mais críticos.
A participação pode ser medida em quatro momentos: Assembléias Gerais da Primeira Rodada, Reuniões e assembléias nos bairros, Fóruns de serviços para discutir com representantes do governo os serviços emergenciais e, Reuniões e encontros de formação social e política. A partir deste momento, a participação do povo no governo tem sido indireta.

A participação cidadã

Acredita-se que o Orçamento Participativo é uma forma dos cidadãos exercerem direitos garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigos 1, 21, 27 e 29, na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, art. 1º, parágrafo único, no art. 5º e Emenda à Lei Orgânica do Município, já comentado a pouco.
A participação popular no Orçamento Participativo é uma das formas de envolvimento direto no governo, através do Conselho do Orçamento Participativo e indiretamente na Câmara de Vereadores, acompanhando as votações na Plenária. Em Maringá, a participação popular começou durante as discussões para elaboração do Plano de Governo e, posteriormente, foi para as ruas, reuniões, mídia e debates políticos durante a campanha eleitoral de 2000.
Observa-se que o povo, independente de partido, quando percebe a seriedade de um projeto, participa e se dispõe a ajudar e a compreender como funciona a administração pública, como vem às verbas, como são gastas e qual o melhor planejamento das ações para que possa beneficiar o maior número possível de pessoas.O povo, na realidade, busca um compreender a democracia.
Individuo e Sociedade existem mutuamente. A democracia favorece a relação rica e complexa indivíduo/sociedade, em que os indivíduos e a sociedade podem ajudar-se, desenvolver-se, regular-se e controlar-se mutuamente.[...] Democracia é mais que um regime político; é a regeneração contínua de uma cadeia complexa e retroativa: os cidadãos produzem a democracia que produz cidadãos.(MORIN, 2001, p. 107)

Desta forma, os conselheiros nas reuniões discutiram e debateram a respeito das prioridades, e pelas regras democráticas do consenso da maioria, decidiram por investimentos na cidade que priorizasse as primeiras necessidades apontadas pelos munícipes: saúde, educação e infraestrutura. Fez também com que os participantes adquirissem consciência da importância da participação e de intervenção político-social. Não era práxis na política de Maringá, a dialética cidadão-governo-cidadão e isto facilitou o envolvimento e a credibilidade da população no governo popular.
Assim, o compromisso com a população foi mantido e o OP, como cita Sánchez (2002, p. 43), “se tornou um espaço de deliberação efetiva, com regras preestabelecidas que não se alteram ao sabor dos interesses, nem da população e nem do governo, promovendo a idéia da co-gestão das políticas públicas”.
Por outro lado, não isentou o governo de ser cobrado de serviços essenciais junto à comunidade. O prefeito e o secretariado são vistos e cobrados como salvadores sociais e político, de um município dilapidado.
Em Maringá, o Orçamento Participativo tem contribuído com o crescimento pessoal e político dos munícipes, possibilitando encontros de delegados e conselheiros na discussão das demandas e na decisão dos investimentos.
Nas reuniões regionais do OP, as pessoas criticam, mas também sugestionam e apontam possíveis soluções. Exigem e apresentam propostas. É como escreveu Tarso Genro (2001, p. 16), ”Ao democratizar as decisões e, ao mesmo tempo, democratizar a informação sobre as questões públicas, o Orçamento Participativo é capaz de gerar uma nova consciência cidadã”.

Considerações finais

No final de 2001 realizou-se uma pesquisa junto a delegados e conselheiros, para analisar o desempenho do Orçamento Participativo, para 20,62% dos que responderam o questionário, o Orçamento Participativo é ótimo e para 55,50%, o OP é bom. A mesma avaliação foi realizada internamente na Prefeitura e houve semelhança nas respostas. Dos entrevistados, 20,45% responderam que o Orçamento Participativo é ótimo e 56,59% responderam que o OP é bom.
A pesquisa indica que a prática do Orçamento Participativo em Maringá, foi aceito e aprovado pela comunidade e, todos que dele participam, aprendem, ensinam e avançam social e politicamente. Esses fatos acenam para um processo de democratização do poder local, fazendo a comunidade assumir cada vez mais o seu papel de protagonista, ou seja, de cidadão.


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