04 dezembro, 2006

O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM MARINGÁ*

*Artigo publicado no livro: “Orçamento Participativo: avanços, limites e desafios”, Elias Brandão (org.). Maringá/PR-Brasil : Massoni, 2003 – pp. 89-100 – (ISBN 85-88905-05-1).
Elias C. Brandão
Historiador, mestre em Educação e doutor em Sociologia, foi diretor/coordenador geral do Orçamento Participativo no Município de Maringá, entre 2001 e 2003.
No programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), de Maringá, para candidatura de José Cláudio e João Ivo Caleffi, foi discutido e defendido a importância da implementação do Orçamento Participativo (OP). Aqui em Maringá, na época, existia um orçamento, chamado popular e, nosso objetivo foi fazer algo forte, real, verdadeiro e, buscamos então, a experiência de Porto Alegre, adaptando-a à nossa realidade.
Para apresentar o trabalho realizado, farei primeiro, uma introdução à exposição, refletindo o que é Orçamento Público e Orçamento Participativo.
Vejamos. A elaboração do Orçamento Público é uma responsabilidade do Poder Executivo que, anualmente, até o mês de setembro, deve ser enviado à Câmara ou Assembléia Legislativa, para apreciação do Poder Legislativo que, por lei, tem a função e responsabilidade de fiscalizar sua implementação após a aprovação.
Historicamente, o Orçamento Público sempre foi elaborado em gabinetes dos administradores públicos, imaginando, sem consulta popular, o que era melhor para a população. O povo e suas lideranças não eram consultados sobre o que precisavam. Os administradores consideravam e garantiam no Orçamento, em tese, as obras e ações que davam mais voto ou que garantisse uma eleição ou reeleição.
Aproveitando-se da ausência do povo na elaboração da peça orçamentária, os legisladores, visando, em tese, ganhos quantitativos de votos, sempre propuseram emendas parlamentares no orçamento.
Era desta forma antiga de se fazer política que os Poderes Legislativos, que tem a função de legislar e fiscalizar os Poderes Executivos, sempre interferiram nas propostas orçamentárias. As emendas, com o tempo passaram a ser, para o legislador, independente da instância em que se encontra, o carro chefe de suas campanhas eleitorais e mandatos. Os legisladores deixavam de fiscalizar as ações dos poderes executivos para elaborarem emendas e requerimentos, muitas vezes, beneficiando apenas pessoas ou grupos. Esta forma de fazer política, infelizmente ainda não acabou.
O não-cumprimento da verdadeira função do parlamentar – enquanto legislador e fiscalizador – abriu espaço à sonegação fiscal e ao desvio de verbas públicas, sobretudo nos poderes executivos e legislativos.
Por outro lado, esta concepção começou a mudar na última década, do século XX, com as experiências de Orçamentos Participativos, quando alguns administradores públicos – sobretudo na primeira administração de Olívio Dutra, em Porto Alegre – começaram a abrir espaços e incentivarem a participação da sociedade nas discussões das receitas e despesas públicas. Surge assim a democracia participativa direta, o povo participando do poder através do levantamento das necessidades, priorizando-as de acordo com sua importância na vida social, política, econômica e cultural da comunidade.
A participação do povo nas discussões do Orçamento Público, força os legisladores a assumirem suas verdadeiras funções e alguns deles entram em crise de identidade, pois o que faziam antes de o povo participar do processo democrático direto, era pedir e implorar obras, serviços ou cestas básicas aos poderes executivos, esquecendo-se do verdadeiro papel de fiscalizador dos atos do executivo.
Desta forma, o OP, enquanto proposta de participação popular e de constituição da cidadania, apresenta-se como um projeto político de enfrentamento entre população e legislativo, visto que, historicamente parte dos parlamentares sobreviviam do assistencialismo, da poda de árvores, dos pedidos de campo de futebol, dos nomes de ruas, do transporte de doentes, de emendas parlamentares e etc.
Em Maringá, por exemplo, não era práxis o poder executivo realizar com a municipalidade, menos ainda com a participação aberta e direta da população, através de assembléias gerais e conselho próprio, uma discussão das arrecadações e investimentos das receitas públicas. Por outro lado, queremos registrar que, a participação do povo nas ações políticas do poder público depende da abertura política de quem administra e de quem está envolvido politicamente na administração e, é isto que pretendo dividir com vocês: a nossa experiência de Orçamento Participativo de Maringá.
Em nosso caso, para implantá-lo, primeiro dividimos a cidade em 7 regiões e cada região em microrregiões e, nas regiões, organizamos as assembléias gerais da primeira rodada, entre março e maio. Nas assembléias, prestamos contas, serviços e obras da prefeitura (a prestação de conta da Prefeitura de Maringá era realizada pelo Secretário da Fazenda, Enio José Verri ou, na sua ausência, por um de seus diretores: Sérgio Pavan Margarido ou Décio Vicente Galdino Cardin) do ano anterior; são apresentados os critérios do Orçamento Participativo; o povo usa o microfone no momento do fala povo e o prefeito encerra a assembléia.
Terminada a primeira rodada, fazemos as reuniões intermediárias, nos meses de maio e junho, em três etapas: primeiro: reuniões nos bairros para eleição de delegados e levantamento das necessidades; segundo: reuniões nas microrregiões e, terceiro: nas regiões para organizar as demandas populares anteriormente levantadas.
Num segundo momento, em que chamamos de assembléias gerais da segunda rodada, no final de junho e começo de julho, todos(as) delegados(as) reúnem-se e entregam as demandas ao prefeito. Nesse momento temos nova prestação de contas da prefeitura, sobre os primeiros 4 meses de trabalho do ano em curso, apresentada pelo secretário da Fazenda. Em seguida um representante dos delegados e um representante das secretarias de governo entregam, simbolicamente, as demandas regionais e institucionais ao prefeito. Após a entrega, abre-se a palavra ao povo e, em seguida, o prefeito responde as dúvidas, questionamentos, sugestões ou elogios. Após a palavra do prefeito, encerra-se aquela assembléia e inicia-se a assembléia eleitoral, realizando a eleição dos(as) conselheiros(as). Cada assembléia regional elege 2 conselheiros titulares e 2 suplentes.
O governo, no dia da posse do Conselho do Orçamento Participativo (COP), apresenta os 2 conselheiros titulares e os 2 suplentes representantes do governo.
Como são 7 regiões do OP, temos, em Maringá, um Conselho com 32 pessoas, sendo 28 conselheiros populares e 4 do governo.
Diferente do ano de 2001, não participam do COP, em 2002, conselheiros de entidades como do Sindicato dos Servidores Municipais ou mesmo da Federação das Associações de moradores.
Atualmente, quem quiser participar do COP, precisa primeiro: participar da assembléia geral da primeira rodada do OP; segundo: comparecer na reunião do bairro para ser eleito delegado pela comunidade e ajudar no levantamento das necessidades locais; terceiro: não ter cargo de confiança em alguns dos poderes: executivo, legislativo ou judiciário; quarto: participar das reuniões das micros e regiões e, por fim, participar da assembléia geral da segunda rodada.
Lembramos que, durante a rodada intermediária, enquanto a comunidade realizava reuniões para levantamento e hierarquização das necessidades populares, internamente na prefeitura, as secretarias de governo realizavam estudos sobre as demandas institucionais, ou seja, sobre demandas que o governo entende como importantes para serem realizadas junto à comunidade e que são entregues, simbolicamente, ao prefeito, na assembléia geral da segunda rodada, juntamente com as demandas populares. As demandas institucionais são apresentadas e defendidas, pelo(a) secretário(a) da pasta afim, na reunião do COP e os conselheiros, após apreciá-las, poderão acatá-las ou rejeitá-las, hierarquizando-as, se necessário, com as demandas populares.
Quando as demandas populares chegam no COP e ocorrem empates, temos critérios que desempatam. Atualmente os critérios são:
* Primeiro: prioridade da região do OP;
* Segundo: carência da região;
* Terceiro: população da região.
Estes critérios podem sofrer alterações, uma vez que, antes de o próximo COP começar a hierarquizar as temáticas e as demandas, precisam definir os critérios de desempate e a quantidade de temáticas em que o governo deverá investir recursos no próximo ano.
Outro dado importante. Enquanto realizávamos assembléias com os adultos, em 2002, foram realizadas assembléias com as crianças. Mais ou menos mil crianças participaram deste processo, assessoradas pela Secretaria de Esportes e Lazer, com apoio de acadêmicos de educação física. Esta prática despertou cidadania.
Quero ainda registrar, que pegamos a administração de Maringá, no ano passado (2001), numa situação de calamidade total, desde os veículos, até as secretarias. Por isso, no primeiro ano do Orçamento Participativo, estes problemas refletiram nas discussões locais e regionais e a população elegeu saúde, educação e infra-estrutura, como prioridades para os investimentos públicos, do governo popular, em 2002.
A importância do Orçamento Participativo é a conscientização decorrente aos que dele participam. O povo e o governo aprendem. O importante também é que o(a) delegado(a) e o(a) conselheiro(a) se conscientizam da situação financeira da prefeitura e passam a entender a situação do município.
Para finalizar, sugerimos criar, hoje, neste Seminário, um Fórum Paranaense de Participação Popular, que discuta políticas públicas, entre elas o Orçamento Participativo e, quem sabe, possa coordenar um II Seminário Paranaense do OP, em 2003.
Respondendo à pergunta sobre associações de moradores, infelizmente aqui em Maringá, existia um grande atrelamento das associações, com algumas exceções, com o executivo municipal e recebiam muitos favores, como empréstimo ou aluguel da sala à Federação. E, desta forma, a dependência ao Poder Público, não permitia a autonomia. O fim desse tipo de relação é necessário. Queremos instituições livres e autônomas, que façam as críticas quando necessário e apresentem sugestões ao governo. Elas devem existir e somos a favor e até incentivamos. O que não queremos é que fiquem atreladas. Um exemplo: não fornecemos ônibus aos moradores ou às associações, para que as pessoas participem das assembléias do OP. Nós, para facilitarmos a participação do povo, temos organizado e divulgado um número maior de reuniões e assembléias gerais possibilitando a locomoção, pois todos têm direito à participação.
Sobre a questão levantada em relação a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), quero lembrar que os próprios partidos de esquerda, sobretudo o PT, já reivindicava há anos, uma Lei que controlasse os abusos que as administrações públicas faziam na cara dura, na frente de todo mundo, em relação ao controle das despesas públicas. O problema é que ela está vindo muito tarde e os órgãos públicos já foram sucateados. O ponto positivo da Lei é que obriga o administrador a informar e prestar contas à população sobre os gastos públicos, receitas e despesas, ou seja, controla melhor o administrador, impedindo-o de gastar além de seu próprio limite. A LRF deveria estar em prática há mais tempo. Veio tarde demais, quando muitos desfalques já foram praticados contra os cofres públicos. O ponto negativo é que ela impede as administrações públicas sérias de realizarem contratações, quando necessárias, para melhor administrar.

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