19 abril, 2007

500 ANOS DE INVASÃO

Gerson de Souza Melo[1]
Cacique Pataxó Hã, Hã, Hã – Estado da Bahia - Brasil

Gravação e transcrição: Elias Canuto Brandão[2]
Foto: Antonio Cruz - ABr


Quero agradecer o CIMI[3] que nos trouxe aqui. Também agradecer o presidente da FUNAI[4] que também deu apoio à gente. Agradecer a todos aqui presentes. Agradecer os deputados presentes.
Eu estou muito alegre com este prêmio. Estou nem podendo falar direito. É porque quando a gente recebe um prêmio desses, a gente se lembra de muitas coisas que já se passou pela vida da gente. Muitas coisas que já passou o nosso povo indígena no Brasil, o que vem passando nós povo Pataxó Hã, Hã, Hã.
Temos a terra que foi demarcada em 1936, Demarcada, comungada e registrada em três cartórios e essa terra foi invadida por coronéis. Foi invadida por fazendeiros e, nessa invasão mataram muito nosso povo Pataxó Hã, Hã, Hã. De lá para cá nós vem sofrendo pela luta para sobreviver e a gente sabe que tem os políticos, alguns políticos que maltrata o nosso povo indígeno, principalmente lá no Sul da Bahia.
O que está acontecendo naquela região, nós agradece muito o nosso senador Antônio Carlos Magalhães, que dá título aos fazendeiros, um título que ele não podia dá, que é uma terra indígena demarcada, registrada e homologada.
O governador Roberto Santo que deu título também da nossa terra para o fazendeiro. Essas pessoas é que ajudam a fazer o conflito na nossa região. Hoje nós temos lá mais de 300 policiais cercando nossa tribo sem nós puder sair para canto nenhum, ameaçado de morte...
Nós, em novembro de 1999, entramos na nossa terra e os policiais em contato com o senhor governador Sérgio Borges, invadiram nossa área e derrubaram e dispararam tiros, mais de 15 tiros e nesses tiros morreu dois policiais da polícia militar. E hoje eles estão jogando para cima de nossa comunidade. Está o presidente da FUNAI aqui presente que ele esteve na região e viu a violência daquela região contra o nosso povo Pataxó Hã, Hã, Hã. E ainda o governador Sérgio Borges não tem vergonha de chegar na televisão e dizer que ele mandou os policiais para lá para dar paz naquela região. A paz que ele está dando naquela região é que na semana passada os policiais dele matou um rapaz e baleou outro. É a paz que ele está dando na região da gente.
Um coronel, Santana, invadiu nossa área acuando nosso povo velho, nossas crianças, invadiram as casas, derrubando portas e fazendo o maior massacre do povo da gente. A gente fica revoltado do governo dizer que está fazendo uma festa do descobrimento do Brasil 500 anos.
Para nós, a nossa terra não foi descoberta. Nossa terra já existia naquele tempo. Para nós foi uma invasão dos portugueses dentro de nossa terra. Agora como é que nós índios vamos festejar 500 anos que eles dizem, 500 anos de descobrimento com o nosso povo indígeno no Brasil, tendo estupro, maltratando o nosso povo indígeno até que depois de demarcar toda a terra indígena, não demarcou, não tirou toda a medida da terra.
Como é que nós índios vamos comemorar 500 anos. O que é que temos a comemorar? Nós não temos nada a comemorar. O que é que o governo (esse povo) está fazendo com a gente?
Nós precisamos viver. Nós somos seres humanos, igualmente a outro qualquer. Nós somos gente. Hoje o nosso povo vive sofrendo. Lá morreu 13 lideranças da gente de 1982 para cá. O Dijalma foi castrado, tirado, cego do olho, foi tirado a unha e a polícia federal foi lá, pegou o rapaz no lugar que mataram. Sabe quem foi que matou e até hoje não teve justiça, 13 liderança.
A única liderança que morreu que as pessoas estão presas (os criminosos) foi o que morreu aqui em Brasília, o nosso parente Gualdino. Porque morreu aqui na Capital Federal. Mas mesmo assim eles tentaram abafar o problema escondendo a gente num porão para a gente não sair e não desviar da coisa que aconteceu. Naquela época o Ministério da Justiça e o presidente da FUNAI é que tinham aí.
O que é que eles vêm fazendo com a gente. Os políticos, o deputado Rolam. Castrando nossas índias; operando para não ter mais filhos, para gastar com nossa nação. E isso, no dizer dele, até hoje não foi tomada providências nenhuma e é deputado federal que faz parte da Comissão de Direitos Humanos. Esse que é o grande massacre que vem acontecendo com o nosso povo indígeno no Brasil.
Eu estou muito alegre de receber o prêmio. Mas por outro lado lembro de tanta coisa que já aconteceu com o povo da gente que também fica vendo nós triste com os massacres que estão acontecendo.
O Brasil tem 500 anos que foi invadido. Mas existe e ta existindo o mesmo. Não mudou nada de 500 anos para cá. Ainda existe índio na escravidão. Existe o negro na escravidão. Existe o pobre na escravidão. Não mudou nada até hoje.
O que é que nós índios, nós negro, o povo pobre, o desempregado, vai ter a comemorar estes 500 anos? O que? Massacre? Morte? A discriminação em cima de nosso povo?
Eu queria que de agora para frente, os políticos, a justiça que escreveu a Lei do país, que eles faça cumprir essa Lei.
Eu vejo o presidente da República, esses dias, falando em democracia. Eu quero saber, minha gente, qual a democracia que tem nesse país. Democracia que tem nesse país é só para rico. O pobre é massacrado. Vive sofrendo. Hoje, quem tem poder é quem tem dinheiro, principalmente lá no sul da Bahia. Lá, quem tem poder é quem tem dinheiro. O povo fala que nós índio somos selvagem. Mais selvagens são esses políticos que tem aí, que vive fazendo de tudo... (aplausos).
A nossa terra tem 18 anos que está registrando no Tribunal. Até hoje não foi decidido nada. Nosso povo está sofrendo lá, passando fome, sem escola, sem assistência médica, sem uma agricultura para sobreviver, sem terra para plantar.
E sendo que nossa terra é de 54.100 (cinqüenta e quatro mil e cem) hectares. Nossa terra só tem 2 mil e poucos hectares em nossa mão. O resto está nas mãos do fazendeiro. Agora, o cachorro do fazendeiro, o gado do fazendeiro, bebe água boa e nós bebemos água que vem de outro canto porque lá na terra que estamos não tem água.
Se nós precisamos plantar, temos que plantar um quadrozinho pequenininho porque não tem terra para plantar. E o fazendeiro lá, é plantando, criando seu gado, fazendo de tudo dentro de nossa terra. Será gente, que nós não temos direito de viver?
Eu queria que vocês político, entidade... Eu queria que vocês ajudassem a gente viver. Porque nós precisamos viver. Nós somos seres humanos igualmente como vocês. Nós não somos bicho como certos políticos, certas autoridades falam aí. Nós somos gente igualmente como outro qualquer. E quem está sofrendo em nosso país, não são sós os Pataxós Hã, Hã, Hã, não. É todo índio no Brasil que está aí sendo massacrado, sendo perseguido. Nós hoje temos um órgão da FUNAI fracassada aí no governo, que hoje não tem recurso para nada. Hoje está uma situação da gente... Eu não sei como é que esse governo diz que quer fazer festa gastando tantos milhões lá em [...], naquela região, sendo que nós somos os primeiros habitantes desta terra tanto sofrendo e eles gastando muitos milhões lá.
Porque não pega este dinheiro e demarca nossa terra, tira os fazendeiros de dentro da terra da gente? (aplausos). Por que não pega este dinheiro e dá emprego para o povo, faz o povo ficar com a barriga cheia?
Não fazer festa aqui do jeito que ele está querendo fazer, gastando dinheiro num dia de festa, sendo que este dinheiro dá para encher a barriga de muita gente.Muito obrigado (aplausos).
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[1] Gerson de Souza Melo, cacique Pataxó Hã, Hã, Hã. Pronunciamento durante Cerimônia em que recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos do MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos – Brasil). Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília/DF, manhã do dia 16 de março de 2000, primeiro dia do “XI Encontro Nacional do MNDH, que teve a continuidade em Luziânia/GO.
[2] Elias Canuto Brandão, é professor doutor em Sociologia; conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e coordenador do MNDH no Paraná. Na época do XI Encontro Nacional era mestrando em Educação e membro do CDH-Maringá/PR.
[3] CIMI – Conselho Indigenista Missionário, criado em 23 de abril de 1972.
[4] FUNAI – Fundação Nacional do Índio, órgão do governo brasileiro subordinado ao Ministério da Justiça, criado pela Lei nº 5.371, de 05 de dezembro de 1967.