11 dezembro, 2009

Educação e trabalho na zona rural: a construção intelectual do trabalhador infanto-juvenil explorado em atividades braçais

Maria Aparecida Cecílio
Doutora em Educação; Profª do Depto de Teoria e Prática da Educação na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM. E-mail: maacecilio@hotmail.com
OBSERVAÇÃO:
Artigo publicado na Revista COMUNICAÇÕES, da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP/SP, Ano 5, número 2, novembro 98, pp. 125 a 132 – ISSN 0104-8481. A partir de 2002 a Revista Comunicações disponibilizou os artigos online. Como este artigo foi publicado três anos antes e já se passarem 10 anos, estamos disponibilizando online.

O objetivo do presente artigo é discutir a educação das crianças e dos adolescentes que trabalham na zona rural no Norte e Noroeste do Estado do Paraná, pensando sua construção intelectual, acreditando que o desenvolvimento biopsicológico e social do homem é prejudicado pelo condicionamento do trabalho iniciado na infância.
Mais do que delinear um problema tão amplo e antigo, mostro algumas faces da vida que se processa nessa dinâmica de exclusão de monocultura de exportação da mão-de-obra no setor rural, mais precisamente na produção de monocultura de exportação, com a preocupação de contribuir para a compreensão das conseqüências vividas pelo homem em decorrência da exploração de sua mão-de-obra na infância e na adolescência. Afinal, como se processa sua construção intelectual?
A constatação de que crianças e adolescentes são explorados como mão-de-obra de baixo custo nas atividades agrícolas e desassistidos pelo sistema educacional é concretizada pela mídia e por alguns sindicatos que representam os trabalhadores rurais. No entanto, a constatação tem sido o limite da ação social.
No dia 1º de maio de 1997, o jornal Folha de São Paulo divulgou resultado de pesquisa realizada em sete Estados brasileiros demonstrando o mapa da concentração de mão-de-obra infantil em caderno especial, com o título: “Trabalho Infantil: Infância roubada”.
Os resultados da pesquisa mostram a falta de políticas públicas voltadas para a questão e a omissão dos governantes frente a essa prática que é justificada em muitos casos a partir da reflexão de que as crianças vivem melhor se estiverem trabalhando.
No dia 5 de maio do mesmo ano, a Folha de São Paulo, dando continuidade à pesquisa, divulgou a iniciativa do governo paranaense com o programa Da rua para a escola, de combate à exploração infantil. A matéria de Leobet registra que desde 1995, 30 mil crianças foram atendidas e que, segundo dados de 1993 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, de 4.380.901 pessoas economicamente ativas no Paraná 268.781 estão na faixa etária de 10 a 14 anos, e 364.914, entre 15 e 17 anos. Estes dados comprovam que o índice de trabalho infantil urbano no Estado do Paraná é alto e significativo como índice de população excluída do sistema educacional. O mais preocupante é saber que estes números são amostra da situação na zona urbana, enquanto na zona rural a situação é ignorada em índice.
A fome, como conseqüência dos problemas que envolvem a vida rural neste final de século, passa a ser um parâmetro para a análise da problemática da exploração de mão-de-obra assalariada de modo geral e vem tomando corpo de discurso na justificativa para a exploração do trabalho infanto-juvenil. A opinião pública sobre a exploração de mão-de-obra dessa faixa etária se manifesta de forma generalizada e sem uma análise cuidadosa dos prejuízos biopsicológicos e sociais que representam para as novas gerações de brasileiros.
Observamos que a mídia, apesar de sua valiosa contribuição na discussão da problemática, abre espaço para denúncias de casos específicos de exploração com ênfase nos meses de maio, julho e dezembro de cada ano. Podemos verificá-lo a título de exemplo na revista Nova Escola, nº 75, maio/94; Gazeta do Povo, 17/07/96; O Estado do Paraná, 04/12/96, e outros. Isto caracteriza que o assunto não é tratado com freqüência e continuidade, mas como uma fatalidade que deve ser denunciada a cada nova forma de exploração descoberta. A idéia, de que é melhor a criança e o adolescente estarem trabalhando do que estarem na rua, limita ao senso comum a discussão veiculada pela mídia sobre as condições de vida infanto-juvenil. A vida da criança como ser em desenvolvimento, sendo influenciada pelo meio social e desrespeitada em seus direitos básicos, é apresentada como uma fatalidade.
A demonstração de obras assistências paliativas e isoladas na lida com a questão, que geralmente são apresentadas como soluções, digamos, de ordem filantrópica, caracteriza uma certa responsabilização da sociedade civil em relação à problemática. Dificilmente a mídia se volta para a sociedade política cobrando compromissos de garantia dos direitos humanos, por exemplo, como responsabilidade também governamental.
O trabalho braçal exige das crianças e adolescentes uma longa jornada diária na zona rural, o que em parte os impede de freqüentar uma escola. Essa é uma questão de nossa discussão na busca da compreensão dos prejuízos que a exploração do trabalho infanto-juvenil causa à natureza humana.
No Estado do Paraná, a população de trabalhadores braçais da zona rural está concentrada na produção de cana e algodão. São trabalhadores que pernoitam nas periferias das cidades ou vilas residenciais construídas especialmente para eles e na maioria das vezes por eles; o que significa, por um lado, produção de riqueza e, por outro, produção de doenças, de analfabetos, de sem teto, de sem terra, de sem salário, de sem garantia de emprego: a produção de um exército de trabalhadores descartáveis.
Essa população de trabalhadores é composta de homens, mulheres, crianças e adolescentes. O que distingue a realidade das relações de trabalho do campo em relação a cidade não é apenas a espécie de serviço que os trabalhadores executam. A relação de trabalho que se estabelece no campo é fator de distinção. O agravante nas relações de trabalho no campo tem sido a segregação da criança e do adolescente como mão-de-obra a ser preparada para se tornar produtiva, para garantir o ritmo acelerado da agroindústria de exportação.
A necessidade capitalista da garantia de que é possível continuar produzindo cada vez mais, de que é possível continuar exportando cada vez mais, conduz os donos dos meios de produção a medidas econômicas de utilização da mão-de-obra infantil no sentido de prepará-la para produzir mediante suas expectativas de exportador. Essa utilização, a nosso ver, é camuflada, às vezes até com a ajuda dos sindicatos dos trabalhadores rurais que nem sempre representam o trabalhador rural. Esse preparo começa muito cedo transformando-se em um impedimento da permanência da criança na escola[1]. A idéia de que é preciso ser produtivo é difundida entre os trabalhadores que passam a se preocupar em garantir aos filhos a profissão, mesmo que a profissão seja de cortador de cana.
Há preocupação entre os produtores brasileiros de cana-de-açúcar em continuar disputando mercado para consumo de seus produtos. Na argumentação dos representantes brasileiros junto aos Ministros do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL sobre a importância de não se respeitar a lei argentina que tende a limitar a importação de açúcar brasileiro, o jornal Gazeta Mercantil Latino-americaca de 13 a 19/10/97 registra à, pág. 4, o seguinte discurso:
No caso do açúcar, esse afã defensivo nos fez esquecer que o Brasil possui uma área cultivada dez vezes superior, com duas safras açucareiras anuais de produto com maior porcentagem de sacarose comparado com o produzido por um setor que não foi convertido o suficiente e que produz com um custo substancialmente mais alto.
Para que esta posição brasileira no mercado seja uma realidade, há que se questionar por quais vias se torna possível uma produção de menor custo que a produção Argentina? A reflexão mediada pelos acontecimentos do campo suporta a hipótese da via da exploração da mão-de-obra dos trabalhadores que executam suas tarefas no meio agrícola. Entre os canavieiros, por exemplo, são de conhecimento comum os detalhes sobre os critérios dos donos dos meios de produção para a contratação de trabalhadores. A idade produtiva é o critério número um. Dos 14 aos 55 anos as pessoas são consideradas produtivas. Refletindo estes dados, podemos concluir que para um trabalhador ser produtivo a partir dos 14 anos, é preciso que ele tenha executado o serviço braçal há alguns anos. Essa dedução nos dá aparatos para pensar que esse período anterior aos 14 anos nada mais é do que o período de exploração informal da mão-de-obra infantil.
Essa idade não definida cronologicamente apenas. A criança que é levada para o trabalho desde os 5 anos de idade, conforme denúncias da mídia, passa por um processo de condicionamento biológico e psicológico. Podemos pensar no condicionamento que leva os empregadores a determinarem que aos 14 anos a pessoa apresenta as condições exigidas para execução da tarefa diária no corte da cana por exemplo. Quais são as características consideradas importantes para essa consideração cronológica ser real? Difícil responder. O que podemos é relembrar os indícios e as constatações desse real.
No ano de 1993, deputados estaduais formaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI com o objetivo de investigar as condições de vida do bóia-fria no Estado do Paraná. O trabalho foi proposto pelo deputado Luiz Henrique Bona Turra, após ter lido no jornal Folha de São Paulo, do dia 28 de fevereiro de 1993, que crianças de apenas 4 anos de idade estavam trabalhando de bóias-frias no município de Querência do Norte, na região noroeste do Estado do Paraná. A denúncia levou a comissão a visitar alguns municípios à procura de informações sobre a veracidade dos dados publicados e tomar depoimentos de autoridades públicas, sindicais e de representantes de instituições.
Em 1996 a Delegacia Regional do Trabalho-DRT, através de um estudo no Estado do Paraná para o Ministério do Trabalho, constatou que a situação tem se agravado. Frente aos resultados de dados como da CPI e da DRT, constata-se que não existe iniciativa governamental para recensear essa população no sentido de providenciar políticas públicas efetivas. Foram anos de prejuízo na vida de um número não mensurado de crianças. O número de crianças trabalhadoras registrado e publicado pela DRT corresponde a algo próximo à metade das crianças paranaenses recenseadas. A maioria encontra-se trabalhando na zona rural em atividades informais.
Tanto a CPI como a equipe de trabalho da DRT, constataram que autoridades públicas e sindicais, de modo geral, contribuem para que a situação se agrave. O que se conhece nesta questão é que tanto o trabalho da CPI quanto o trabalho da DRT, até o momento, limitam-se a constatação dos casos existentes. Os membros da CPI se queixam da forma como o Estado encara os dados por eles levantados, pois não são considerados científicos. São considerados estatísticas não respeitáveis por não fazerem parte de uma pesquisa científica, por serem apenas um levantamento. Há informações desencontradas quanto ao número de bóias-frias existentes no Estado. A Comissão Pastoral da Terra-CPT faz uma estimativa, a Secretaria de Estado da Agricultura faz uma outra, por sinal nada próxima à da CPT, e a Secretaria de Estado da Educação trabalha com dados totalmente diferentes.
A CPI mesmo conhecendo as denúncias dos depoentes, conforme relatório final encerrado no dia 21 de dezembro de 1993, não conseguiu exigir do Executivo ou do Judiciário providências sobre os fatos. Observamos que as autoridades ouvidas pela CPI declaram conhecimento de que as denúncias têm fundamento, mas nada fazem. Tomo como exemplo o depoimento do então Secretário de Estado da Agricultura, Osmar Fernandes Dias. Ele faz a seguinte afirmação: não há gravidade no fato de o menor estar trabalhando no campo, mas sim nas condições em que isto está ocorrendo e que devem ser corrigidas (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1993, p. 16). Deixa claro que é perfeitamente normal a utilização do trabalho infanto-juvenil. Nesta mesma linha de pensamento depôs o então Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná-FAEP, Ágide Meneguette, quando ponderou que a instabilidade dos ‘bóias-frias’ e dos volantes enseja a proteção legal porque, caso contrário, continuarão à mercê da sorte (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1993, p. 23). A Consolidação das Leis Trabalhistas-CLT e o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA não são lembrados como legislação já existente. Tais posições caracterizam concordância com a exploração da mão-de-obra adulta e infantil, contribuindo para que a criança e o adolescente fiquem fora da escola.
Enquanto a discussão em torno do número de bóias-frias continua sendo uma incógnita, crianças e adolescentes continuam sendo submetidos a uma carga horária de trabalho por dia que as impede do convívio social e os distancia do sistema educacional. Disse em depoimento à CPI do Bóia-Fria a então Delegada Regional do Trabalho no Paraná, Ivanira Tereza G. Marques Gomes de Pinheiro, que Juízes concedem alvará para emissão de carteira de trabalho a menores de 14 anos (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1993, p. 20), dificultando a fiscalização da Delegacia.
Famílias de assalariados rurais continuam migrando à busca de trabalho e o tráfico de influência continua a garantir a autorização para transporte de trabalhadores em veículos irregulares. Além disso, continuam ocorrendo acidentes envolvendo crianças. Pinheiro salienta que, em se tratando de acidentes de trabalho, há dificuldades da DRT em identificá-los porque não tem acesso aos dados que são repassados pelos hospitais ao INSS (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1993, p. 20).
A fala de comprometimento político dos governantes leva os funcionários do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social-IPARDES a mapearem o Estado para a identificação dos terrenos mais frágeis que são utilizados para culturas artesanais e denominaram esta região como ramal da fome, segundo Elvira Maria Soares Chaves, socióloga e diretora do IPARDES. (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1993, p. 15).
Durante os trabalhos de inquérito realizado pela comissão de deputados, muitas autoridades foram ouvidas. Os discursos registrados não se opõem ao trabalho infanto-juvenil. O registro da idéia da necessidade de se rever as condições de trabalho das crianças e adolescentes sustenta os depoimentos mais avançados que a CPI conseguiu reunir em documento.
Outra face dessa situação é o aumento do número de analfabetos que se vem produzindo com estas atitudes. Se nos detivermos ao intervalo de 3 anos entre a CPI e o levantamento da DRT, não será difícil concluir que aqueles que em 93 tinham 11 anos de idade, em 1996, ano da CPI, já completaram 14 ou 15 anos e já foram incorporados ao trabalho sem condições de freqüentar escola. Isso nos faz pressupor que a incorporação da criança significa a produção de um número desconhecido de analfabetos que raramente terão condições de usufruir de seus direitos de cidadão à saúde, educação e lazer, quando criança; às conquistas trabalhistas durante a idade produtiva e, muito menos, ao benefício da aposentadoria ao atingir a terceira idade, uma vez que
O desgaste físico e mental é detectado após os 50 anos já com sérias conseqüências. Os critérios que definem essa faixa etária é resultado da quantidade produzida pelas pessoas no dia-a-dia de trabalho e a resistência física que conseguem manter até os 55 anos no máximo. (CECÍLIO, 1997, p. 27)
De acordo com Carlos Lorena (In MINAYO, M.C.S. org. Raízes da Fome/85, p. 111), a exploração da mão-de-obra na zona rural, além de se apropriar da força de trabalho das pessoas, apropria-se do direito de determinar o tempo de uso dessa força utilizando como medida a capacidade de produção e lembra que as crianças e os adolescentes não estão isentos dessas determinações.
Diante da realidade social de pobreza e de miséria presente em nosso país, sabemos que é completo falar do óbvio sem ser interpretado como idealista. Por isso consideramos importante ressaltar que autoridades econômicas mundiais começaram a tratar com medidas de defesa o exército de famintos existentes nos países de Terceiro Mundo considerando estar atingindo a problemática das desigualdades sociais. No dia 25 de setembro de 1997, em Hong Kong, o presidente do BIRD, James Wolfensohn, conforme editorial do jornal Folha de Londrina, de 26/9/97, exortou a comunidade internacional presente na reunião anual do Banco Mundial a agir imediatamente para se diminuiu a pobreza no mundo dizendo que “a crescente brecha entre ricos e pobres é uma bomba-relógio que pode explodir no rosto de nossos filhos” (Folha de Londrina, 26/9/97 – editorial).
Sabemos que sonhar com uma realidade diferente é fundamental para que possamos pensar os problemas que afetam a população de crianças e adolescentes que não são recenseadas pelo IBGE. População que em muitas regiões do Brasil não existe legalmente por não possuir registro de nascimento e falecimento, por estar esquecida pelo sistema educacional e de saúde, uma vez que o IBGE é o órgão oficial responsável para produção de subsídio orçamentário.
Essa realidade que envolve a população infanto-juvenil, de modo especial, no norte e noroeste do Estado do Paraná, merece nossa atenção. Constatamos que o trabalhador na zona rural como cidadão excluído dos direitos básicos para sua formação pessoal como educação, saúde, lazer e convivência familiar, vive um conflito de identidade e passa a se excluir das atividades educativas que ainda são possíveis em sua vida. Para discutir essa condição de vida, entendemos ser necessário a compreensão do homem em formação em seu meio físico, social e cultural, pensando sua educação, uma vez que no Paraná, o número de evasão das escolas públicas nas séries iniciais do primeiro grau são divulgados pela Secretaria da Educação de Estado sem grandes expectativas de reversão da situação.
O prof. Jefferson Mainardes, ao falar na 11ª sessão do fórum em Defesa da Escola Pública, Gratuita e Universal, no dia 19/05/94, dizia que no ano de 1994, a Secretaria de Estado da Educação trabalhava com dados de aprovação, retenção e evasão dos anos 89/90, para organizar programa estratégico para o ensino de 1º grau no Estado do Paraná. Talvez isso ajude a explicar o porquê os atuais governantes discutem as arbitrariedades sociais entre educação e trabalho, no final dos anos 90, com o pressuposto político de que uma cesta básica garantirá o retorno do evadido para a escola ou, então, discutem como penalizar o pai e a mãe que deixam o filho fora da escola.
É fundamental conhecer o que entra em discussão em relação às obrigações do Estado para com as crianças e adolescentes da zona rural paranaense que são utilizadas como mão-de-obra lucrativa para os produtores rurais. De acordo com as informações publicadas pelo prof. Mainardes, podemos verificar que os índices governamentais que sustentam as políticas educacionais são desatualizados. Será essa uma prática estratégica?
Essa fragmentação do problema que marca divisas entre o discurso político e a prática social gera a cumplicidade dos pais que justificam a necessidade de trabalho dos filhos diante de sua situação de desemprego, sonegando até por falta de esclarecimento, os prejuízos acarretados ao filho. Para os pais de crianças e adolescentes trabalhadores de modo geral, a escola poderia atender seus filhos no período noturno e a situação seria contornada.
O atendimento especial é legalmente condicionado aos dispositivos do estatuto da criança e do adolescente. As escolas só podem aceitar matrícula para o período noturno, após os 14 anos de idade ou mediante autorização judicial. A ambigüidade de interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente nos permite observar que, ao garantir os direitos infanto-juvenis, o documento-lei estipula regras que isentam a discussão da questão pelo sistema educacional. Temos uma legislação que, apesar de consideráveis avanços, é punitiva no trato com pais e professores, ao mesmo tempo que isenta a escola da discussão do problema, não apenas como um problema da educação escolar mas como um problema de amplitude social.
Diante dessas pontuações, – diga-se de passagem, essa realidade não é uma realidade particular do Estado do Paraná – entendemos que o trabalho da criança e do adolescente deva ser discutido pela sociedade com o amparo de educadores, por serem eles os interlocutores sociais das causas que levam a criança e o adolescente a não conseguir se manter no sistema educacional que ainda hoje vigora em nosso país.
O que provoca essa vontade de falar sobre a falta de condições para a permanência da criança e do adolescente trabalhador da zona rural na escola e suas conseqüências é, em última instância, a constatação de que, em número inestimável, vivem à margem do sistema econômico-social-político e educacional. Pensar essa população excluída dos direitos humanos e constitucionais nos parece uma contradição tão exposta a ponto de ser vista como normal. Afinal, toda cidade tem criança fora da escola! Toda família de trabalhador tem analfabetos! No Brasil morrem crianças por desnutrição diariamente! Tudo isso é tão óbvio que passa a ser normal. Passa a ser problema sem solução. Passa a ser problema sempre da sociedade.
É essa pseudonormalidade que quisemos contemplar diante dos problemas levantados neste artigo. São problemas que, de modo geral, se refletem no âmbito do espaço escolar, o que nos leva a considerar que é função social da escola interagir nessa dinâmica como instância à qual se atribui o papel de educar para a sociedade. Ou será que o processo de criação da Lei 9.394/96 de 86 a 96 já imprimia no contexto escolar a idéia de que a escola deve se ater à formação de mão-de-obra para o mercado formal como tarefa fundamental? Será que essa década contribuiu para a solidificação do mercado informal de trabalho na zona rural sem que o setor educacional discutisse a problemática da segregação da mão-de-obra infanto-juvenil?
Diante deste panorama de questionamentos, nossa referência à exploração do trabalho da criança e do adolescente na zona rural do Norte e Noroeste do Estado do Paraná teve a pretensão de traçar algumas fronteiras de uma realidade concreta e caracterizada pela crueldade do sistema político/econômico brasileiro que extrai da terra sua fonte de riqueza e a transforma em fonte de miséria humana. Essa é a contradição básica que fundamenta a necessidade de uma ação científica no sentido de inferir essa realidade pela discussão sistemática e fundamentada em dados atualizados que não se encerram neste artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Lei 9.394 de 20.12.96.
BRASIL. Ministério da Justiça. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069 de 13.06.90.
CECÍLIO, Maria Aparecida. Avaliação e educação popular. Piracicaba, 1997. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-Graduação em Educação. Universidade Metodista de Piracicaba.
CHAGAS, Newton. Ministério mapeia trabalho infantil. O Estado do Paraná. Curitiba, 04 dez. 1996.
ESTADO DO PARANÁ. Assembléia Legislativa. CPI do Bóia-fria. Documento 94-10, 1993.
LEOBET, Deise. Projeto no Paraná retira 30 mil crianças dos locais de trabalho. Folha de São Paulo. São Paulo, 05 maio 1997. Caderno Brasil, p. 9.
MAINARDES, Jefferson. Avaliação das Políticas Educacionais do Paraná (1991/1994): O Ciclo Básico de Alfabetização em questão. Consciência Humanística, Biológica e Tecnológica. Palmas, vol. 10, nº 1. p. 77, 1996.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Raízes da fome. Petrópolis: Vozes/Fase, 1985.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] Constatações realizadas em minha pesquisa de mestrado “Avaliação e educação popular”.

2 comentários:

  1. O texto é muito grande pr que possomos fazer trabalho escolar

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  2. Anônimo6/3/13 18:11

    é muito Grande para copiar e tem que ter Introdução :S Obg :)

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