16 dezembro, 2009

O movimento da educação social

Maria Aparecida Cecílio[1]
Kiyome Hirose[2]
Professores do Departamento de Teoria e Prática da Educação - Universidade Estadual de Maringá (UEM); Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas e Gestão Educacional (GEPPGE-UEM).

OBSERVAÇÃO:
Trabalho apresentado na VI Semana de Educação na Universidade Estadual de Maringá – Campus de Cianorte/PR, realizada de 06 a 10 de novembro de 2000, publicado em anais, pág. 184 a 187, ISSN nº 1518-6180

A educação que hoje se movimenta junto a população trabalhadora despossuída de direitos sociais e humanos tem na alfabetização o princípio da ação socializadora de saberes populares e do conhecimento científico.
Nesse processo de intensa convivência com a diversidade socialmente produzida em consciência, colocamo-nos como parte que se propõe a falar de uma prática coletiva vivenciada no contato com as culturas variadas que se encontram unidas pela crença e desejo de construir um novo espaço de produção do conhecimento para a vida no campo, como afirma Paulo Freire, em sua obra “Pedagogia da Autonomia”
“[...] que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. (Freire, 1998)

Como o objetivo de socializar o trabalho realizado em mais de um ano de atividades educativas com a população de trabalhadores rurais sem terra organizados na região noroeste do Estado do Paraná, através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, em convênio com a Universidade Estadual de Maringá, registraremos a seguir um resumo das metodologias de trabalho que possibilitaram o desenvolvimento da convivência de diferentes grupos sociais, diferentes níveis de escolarização, com a mesma finalidade: construir um processo de alfabetização para o homem do campo.
Durante esse processo, a equipe de trabalho formado por professores universitários, acadêmicos de diferentes cursos, profissionais liberais da comunidade externa da Universidade e trabalhadores rurais representantes do MST, organizou e realizou 10 etapas de Curso de Formação dos Monitores Alfabetizadores, moradores em áreas de assentamento e acampamentos.
A equipe foi constituída inicialmente por três professores universitários, cinco acadêmicos e cinco coordenadores locais (trabalhadores rurais).
Aos professores ficaram as responsabilidades de coordenação geral (gestão junto ao INCRA[3] e MST[4]), coordenação pedagógica e orientação dos acadêmicos e coordenadores locais durante todo o processo de implantação e desenvolvimento das atividades planejadas em conjunto.
Aos acadêmicos coube a responsabilidade das atividades de articulação e apoio aos coordenadores locais e monitores alfabetizadores, com compromisso de realizar acompanhamentos bimestrais nas suas respectivas áreas, bem como auxiliar na mobilização da comunidade local para a formação dos grupos de estudos.
Aos coordenadores locais coube identificar geograficamente os grupos de trabalhadores rurais sem terra para formar os grupos de estudos, como também de fazer a intermediação dos anseios dos monitores alfabetizadores e da coordenação do movimento com a dinâmica do desenvolvimento do processo. Preocupar-se em realizar a sua formação continuada, como também de se estar presente, pelo menos uma vez ao mês, junto a comunidade dos grupos de estudos e seus respectivos monitores alfabetizadores, estimulando-os e a outros moradores para participarem do processo, despertando a necessidade de saber ler e escrever no mundo em que vivemos.
As etapas foram realizadas inicialmente no Assentamento Padre Josimo, município de Cruzeiro do Sul. Na medida das necessidades, procurou-se explorar outros ambientes, como o do espaço da escola municipal daquela cidade, da própria Universidade, por contar com laboratórios e equipamentos que facilitaram a prática de trabalho de aprendizagem e de ensino como:
· Laboratório de Anatomia Humana
· Laboratório de Geografia Humana
· Horto Medicinal
· Biblioteca Central
· Laboratório de Apoio Pedagógico
· Auditório Ney Marques
· NPD – Núcleo de Processamento de Dados
Após a realização de cada etapa de formação pedagógica continuada, todos os envolvidos: a equipe pedagógica, a equipe coordenadora de trabalhadores e os monitores alfabetizadores participantes, registraram oralmente e graficamente suas avaliações e sugestões que validaram as propostas de cada encontro de estudos.
Os monitores alfabetizadores são trabalhadores rurais que vivem em áreas de assentamento na Região Noroeste de nosso Estado, indicados pela direção regional do MST, após discussão e definição de critérios básicos para a classificação dos aceitos para constituírem o grupo de trabalho que posteriormente formariam em suas áreas de atuação, grupos de estudos e alfabetização, assumindo a responsabilidade de acompanhar os estudos de seus integrantes baseado nas etapas de formação e nas visitas de acompanhamento político pedagógico dos acadêmicos.
O aporte teórico que norteou os princípios alfabetizadores praticados neste processo encontrou em PAULO FREIRE as metodologias de planejamento de ação coletiva que atenderam aos princípios educativos do MST. Na tentativa de ampliar o reflexionamento de teorias de cunho socialista pressupostos como fundamentais na busca da construção de um processo de alfabetização de caráter coletivo, a coordenação pedagógica, a equipe acadêmica, os coordenadores locais tomaram como função o fomento de encontros semanais para conhecimento de biografias de pensadores socialistas que, num momento histórico, contribuíram na realização de práticas pedagógicas coletivas. Estudar continuamente a prática social histórica e cultural do MST foi condição indispensável para o desenvolvimento prático das ações pedagógicas propostas na caminhada.
Além desse aporte teórico, as segundas feiras foram destinadas para avaliação das atividades como cursos, acompanhamentos, formação continuada, planejamento e produção do jornal “A Educação em Movimento”, organização dos relatórios, encaminhamento dos exames de equivalência e produção de livros.
A sustentação de todo o trabalho proposto na busca de alternativa de construção do conhecimento não foi encontrada nas convenções tradicionais sobre o ato educativo. O encontro do espaço intelectual alternativo só foi possível através de ações participativas, interativas, que necessitaram de um conhecimento mais amplo possível de seu campo de atuação, de caráter popular, que se vinculassem à vivência e necessidades do trabalhador rural sem terra.
A preocupação no atendimento a integridade humana nesse processo nos fez buscar aportes de diferentes áreas de atuação e que nesse momento foi priorizado o aspecto afetivo e biossocial.
Levantar as necessidades básicas dos participantes foi outra atividade que demandou a vinda de outros profissionais, como por exemplo, da contribuição de uma psicóloga que pudesse estar ajudando a resgatar a auto estima, bem como estar interpretando o sentimento de exclusão. Em relação a saúde física, a contribuição dos odontólogos foi fundamental, pois jovens adolescentes com comprometimentos severos em suas arcadas dentárias foi uma constância.
Mediante o trabalho desenvolvido, constatamos alguns aspectos educativos que nos dão as bases da distinção existente entre o processo educativo convencional e o não convencional.
A avaliação participativa como garantia de espaço de redimensão político pedagógica, mesmo produzindo conflitos de ordem ideológica, proporciona o debate e o embate de diferentes consciências sobre o mesmo objeto de análise.
O segundo aspecto que identificamos é o respeito mútuo que é possível desenvolver em um grupo formado por pessoas de diferentes níveis escolares. Doutores e agricultores conseguem elaborar uma linguagem que atende a necessidade de comunicação, possibilitando a ambos a re-elaboração dos conhecimentos empíricos e teóricos.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] E-mail: maacecilio@hotmail.com
[2] E-mail: hirosekiyomi@yahoo.com.br
[3] INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
[4] MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

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